domingo, 27 de julho de 2014

[Utter] Capítulo 04 - Bom menino

Olhei o relógio e chequei a roupa de novo. Estava nervosa. Não acredito nisso, como consigo ficar nervosa? Não é meu primeiro encontro, caramba!
Chequei o relógio mais uma vez. Não tinham passado nem dois minutos. Ainda faltavam mais quinze minutos.
Meus olhos verdes estavam mais destacados com o rímel escuro e o lápis fazendo um desenho de gatinho. Estava com um top apertado e uma calça jeans de cor escura. Dessa vez coloquei uma sapatilha verde quase no mesmo tom do top. Meus cabelos estavam escorridos e a franja jogada para um lado e algumas presilhas deixando o cabelo solto, mas com as orelhas expostas e dois grandes brincos verdes a vista.
Fui para a sala. Meu pai e minha mãe estavam fingindo conversar sobre o Bruno suceder na empresa. Mamãe quer que eu curse o que eu quero, mas tudo o que ela diz, meu pai tem uma resposta.
Olhei o celular de novo. Faltam apenas cinco minutos. Sentei no sofá e fiquei tamborilando com meus pés. Estava nervosa, queria sair logo daqui.
─ Então filha, no próximo semestre você já deve escolher a especialização. Faça em empresas, entendeu?
─ Pensei que escolheria pelo menos isso. – Resmunguei a contragosto. Quando ele me deixará tomar as minhas decisões?
─ Escolheria se seu irmão não estivesse tão saidinho. Ele não quer cursar administração, então você receberá as minhas empresas.
─ Ah tá. Não, espera aí! Ele não quer cursar? – Perguntei ofegando pela raiva e me levantei de súbito. – Como assim? Porque ele pode escolher e eu não?
─ Seu irmão é homem. É capaz de fazer escolhas sensatas. Mulheres não.
─ Pai! Eu sou muito sensata quando quero!
─ Não, você não é. É só uma menina e sempre vai ser. Não sabe o que me custa lhe dar a minha empresa.
Era o cúmulo.
─ Então não precisa mais se preocupar com isso. Porque não entrega para os filhos da sua amante? – Perguntei ironicamente e vi meu pai ficar duro na cadeira, chocado, imóvel. Minha mãe não esboçou choque ou qualquer outra reação. E pensar que nós dois costumávamos ser muito próximos até eu começar na faculdade.
Meu celular vibrou e eu peguei ele no sofá. O número desconhecido na tela e vi que já eram oito horas da noite. Ele chegou. É ele.
─ Aonde pensa que vai? – Meu pai perguntou enquanto eu pegava a chave de casa.
─ Tomar mais uma atitude insensata, senhor machista. – Saí batendo a porta. Um monte de planos esquecidos no fim do ano passado voltando.
Como ele pôde dizer aquilo justo para mim? Estou sempre fazendo e agindo como ele quer, mesmo que eu não queria! Como ele pode me considerar como a segunda opção nojenta?
Olhei para os lados em tempo de o ver andando para mim. O táxi andando rápido novamente e ele sorriu como se fosse me tragar. Senti minha pele arrepiando brutalmente e passei a mão nos braços a fim de diminuir a sensação desconcertante que ele provoca em mim.
Como um cara pode me afetar tanto? Porque isso tá acontecendo justo agora? Não podia ser depois? E espera aí, qual é mesmo o nome desse deus grego?
Oh-oh. Não consigo lembrar. Vou chamar de qualquer coisa até o nome voltar. Isso.
– Oi, princesa. – Sorri ainda mais e nem percebi que já estava sorrindo até esse momento.
– Oi, gostoso. – E, Jesus! Como ele estava lindo naquela calça caqui cor de creme e na blusa denim azul listrada, um sapatênis marrom. Completamente sensual e todo meu essa noite (eu espero!), roguei em minha mente.
– É, isso. – Fiz um som de incredulidade enquanto ele me media. – Tá linda.
– Valeu. Onde vamos?
– Beber e talvez dançar.
– Parece bom.
– Tá de carro? O meu tá no mecânico. – Ele sorriu constrangido, eu ri com a carinha de envergonhado dele.
– Então além da moto você tem um carro é?
– Uma lata velha, meu xodó. – Não consegui não rir e entreguei a minha chave para ele. – Lembra qual é o carro?
– Citroen prata, ultimo modelo.
─ Exato, bonitão.
─ Ele sorriu, destravando o carro e eu entrei no passageiro enquanto ele subia no lado do motorista.
Deu a ré e tudo em que eu conseguia prestar atenção era na forma como a boca dele se movia, enquanto ele fazia comentários sobre o carro. E aliás, eu não ouvi uma só palavra do que ele disse. Só para constar!
Chegamos à um dos pubs da cidade, na Lapa. Descemos, ele apertou o alarme e devolveu a chave para mim. Coloquei presa na minha calça pelo chaveirinho. A gente sentou e ele pediu duas cervejas, não me importei, apesar de não serem minhas favoritas.
─ Então, você trabalha bonitão?
─ É Leonardo. – Ele sorriu compreensivo e minha mente deu um estalo. Eu realmente não tinha lembrado ainda o nome dele.
Mordi o lábio e senti minhas bochechas quentes enquanto eu sorria.
─ Foi mal, Leo. Tinha esquecido.
─ Percebi, princesa.
─ Você também não lembra o meu! – Reclamei de mentirinha e ele riu alto.
─ Lembro sim, Pat.
─ Ahn… pare com isso. Está começando a parecer que não é seguro. – O quê? Como assim não é seguro, sua retardada? Me recriminei.
─ O que não é seguro? – Ele perguntou tomando um gole da cerveja recém servida.
─ Você. – Resolvi brincar. – Não tem sido o cara mais educado comigo, senhor Leonardo.
─ Ok, prometo me comportar hoje.
─ Quero só ver isso!
─ É sério, vou ser um bom menino hoje. – Ele piscou e continuou sorrindo enquanto bebia o resto do líquido no copo e enchia de novo.
Tomei um gole do chopp. Não era ruim, nem de longe, mas prefiro bebidas doces. Sei lá, só prefiro.
─ Tá bom, finjo que acredito. Mas mudando de assunto, você faz o quê da vida? Estuda? Trabalha?
─ Trabalho já, princesa. Sou publicitário. Trabalho com contas, consigo contas para a minha empresa. É como uma competição.
─ Uma competição? Contra quem? – Perguntei descrente. Isso parecia legal. Eu poderia escolher essa especialização ao invés de ADM de empresas.
─ No meu caso, contra um tal de N. Cunha. Ele é um destruidor, mas as vezes consigo pegar umas contas dele. E você?
─ Estudo administração. Escolha do meu pai, fazer o que né? – Nem sei porque diabos eu disse isso, só queria que ele soubesse disso, soubesse que eu escolheria qualquer outra coisa.
─ Entendi, teu pai é meio tirano?
─ Meio? Bota mais dois terços. – Respondi rindo, ele acompanhou. A risada era leve, gostosa de se ouvir.
Tratei de traçar mais um copo de chopp e ele bebeu o dele na mesma velocidade, enchendo ambos os copos, eu já estava parando, mas ele sempre enchia de novo e de novo.
E nem dá para usar a desculpa de ficar bêbada. Quem pega porre com cerveja? Ninguém!
[…]
─ Como que eu posso estar tonta? Só bebi chopp! – Reclamei sentindo a cabeça girar. Ele riu no meu ouvido, colocando o cinto em mim e fechando a porta. Caminhou para o lado do motorista e entrou.
Continuei olhando para ele sem me importar, o cara era lindo, sabia se vestir e estava sempre com um cheiro tão bom!
O único problema foi ele nem tentar me beijar em todas as chances que dei.
─ Nada mais de beber sentada para você, mocinha! Nunca mais! – Ele continuou rindo e deu a ré, pegando a estrada.
Abri o vidro sentindo aquele vento da madrugada entrar no carro e me dar um mínimo de frio.
Voltei a olhá-lo. Decorar as formas. Não sei porque estou fazendo isso, só é como se ele fosse algo muito, muito interessante para olhar. Não consigo evitar.
─ Se continuar me olhando assim vou ter que esquecer a coisa toda sobre bom comportamento.
Olhei para a frente constrangida. Ele não tinha esquecido o que eu disse mesmo com as brincadeiras sobre isso.
E eu queria que ele esquecesse, porque não queria ele sendo comportado, queria ele me beijando de um jeito nada recatado, queria que estivéssemos indo para qualquer lugar que não fosse a casa da minha família conturbada.
E isso não tem nada haver com a briga que tive mais cedo com meu pai.
Ou tem?
─ Um real pelo pensamento. Ou dois? Poderia dar um real por esses olhos também. – Não consegui não sorrir, ele sabe como me derreter.
E quantas mais?
Não quis saber a resposta.
Por que eu me importo? Ele é só mais um cara.
Também ignorei a resposta obvia. Não é isso, eu só estou carente porque o Gugu tá namorando a projeto de Barbie.
─ Nada demais. – Eu me virei para ele, enquanto ele estacionava na frente do meu prédio. – Quer entrar? Ou sei lá, ir para qualquer lugar?
─ Bom comportamento lembra? – Ele piscou e eu mordi o lábio. Fazia tempo que não levava um fora.
─ Certo. – Soltei o cinto muito chateada.
A noite que idealizei não foi essa. Eu ia descer do carro, quando ele segurou minha mão. Olhei para o rosto bonito e ele sorriu de canto.
─ E meu beijo de despedida?
─ Pensei que a ideia era bom comportamento.
─ E é. – Ele puxou a minha nuca e a boca dele na minha estava quase que instantaneamente dura. A mesma vontade selvagem do outro dia, o mesmo gosto de cafeína com menta e a faca do bom comportamento nos incomodando.
E Deus! Que cheiro é esse?
Circulei o pescoço dele com os braços e senti ele me puxar, como se eu não pesasse nada, para cima do colo dele.
Ofeguei quando a mão grande dele apertou minha cintura e ficou ali, fazendo carinho, enquanto a outra puxava meu cabelo de um jeito quase gentil.
Nós desgrudamos a boca um do outro e senti a respiração quente batendo na minha orelha, me entorpecendo.
Fechei os olhos, minhas mãos fechadas segurando a blusa dele no peito. Queria não ter dito aquela maldita frase e então talvez eu estivesse com ele em qualquer lugar onde poderia conhecer os segredos daquela pele morena.
Eu quero conhece-lo mais que isso.
Ignorei o pensamento latente e senti ele dar pequenos beijinhos no meu pescoço, me causando arrepios.
─ Da próxima vez vou te buscar aqui, vamos almoçar e vou conhecer você por dentro. Quero provar seu gosto, entendeu?
Ofeguei enquanto ele sussurrava no meu ouvido as coisas que faríamos no próximo encontro e fechei os olhos com força.
─ Tá. – É, eu não estou me importando mesmo.
Podíamos fazer essas coisas hoje. Eu quase disse.
A única coisa que me manteve de boca fechada – além da boca dele no meu ombro, dando uns beijos que mais pareciam pequenas chupadas – foi meu orgulho. Não ia levar outro fora.
Eu sentia que ele me queria, a forma como ele estava respirando pesado dizia isso, então porque ele não falava logo?
Ele segurou meu rosto com as duas mãos e me beijou de novo. Parecia que não queria que eu fosse. Mal sabe ele que eu tampouco quero ir.
Meu celular vibrou no bolso de trás e não me importei. Ele também não, enquanto chupava o meu lábio inferior e soltava.
─ Tá entregue, Pat.
─ Ok.
Ele me olhou intensamente e abriu a porta. Senti-me quase despida diante daqueles olhos escuros – mais ainda pelo obvio desejo que nós dois estávamos sentindo – e girei no colo dele, descendo do meu carro.
Leo demorou alguns segundos até descer e me entregar a chave, depois de travar o carro.
─ Quer que te deixe lá em cima?
─ Não precisa. – Sorri para ele, mas foi forçado. Ele sorriu pequeno também.
─ Te vejo em breve, Patrícia. – Ele disse lentamente meu nome e senti meu estômago apertar. A mesma sensação do carnaval, de desejo interrompido se espalhando e dessa vez eu não tinha água para me ajudar com a frustração.
─ Muito em breve. – Concordei e entrei no prédio vendo ele fazer sinal para um táxi.
[…]
─ Posso saber porque a demora em sair? E quem é aquele rapaz? – Meu pai perguntou entre dentes.
Ele estava além de irritado, mas não dei bola.
─ O Bruno chegou? – Perguntei sem me importar de verdade. Eu só queria deitar e dormir um pouco.
─ Não mude de assunto, Patrícia Carlota Ciqueira!
Ai! Falou meu nome todo, devo estar mais encrencada do que imaginei.
─ Ele é um amigo do Gustavo. – Não ia dizer o nome dele, meu pai é fogo para assustar meus amigos. – Saímos para beber e conversar. Não transamos, se é isso que quer saber.
─ Me deixa mais tranquilo. Mesmo porque quando seu noivo chegar aq-
─ Meu o quê? – Gritei horrorizada sem me importar com a hora.
─ Não grite. – Ele sibilou e minha mãe veio vindo do quarto com um robe, tinha acordado ela.
─ A quanto tempo sabe dessa barbaridade?
─ Que barbaridade, querida?
─ Que meu pai me arrumou um maldito casamento!
─ Você fez o quê? – Minha mãe parecia ter acordado e ouvimos a porta abrir e fechar. Não olhei para saber que era o Bruno. O cheiro forte de cigarro estava infestando a casa e só ele fuma cigarro fedorento.
─ Que história é essa, pai? – Ele perguntou parecendo irritado.
─ Não tem história. Ele virá para a cidade em breve. Miguel Blauth é filho do diretor da Publicidades Sehger. É um bom partido e tem noções de administração.
─ E para que merda eu estou fazendo faculdade? – Berrei irritada.
Quando foi que a noite ficou tão ruim?
─ Pare de gritar! – Meu pai sibilou. – Saiu, não foi? Se divertiu, não foi? Agora vá deitar que amanhã você vai para a faculdade, sem desculpa!
─ Eu vou quando eu quiser! – Continuei no mesmo tom, berrando. – Afinal – baixei a voz – é só até eu me casar não é mesmo? Só espero que ele não seja um velho babão!
[…]
─ Ele é um rapaz bonito. – Cris me atualizou pelo telefone. – Minha irmã me disse que ele tem o melhor corpo lá do interior e que é super legal.
─ Não quero ele! Não quero ninguém! Porque meu pai fez isso? Como ele pôde? Já não estou na maldita faculdade?
Minha prima não respondeu. Eu não sei se ela ficou sem saber o que dizer ou se só não queria brigar e não fazia diferença.
Fechei os olhos e tudo o que me vinha a mente era o beijo gostoso de despedida que ganhei do Leonardo.
Continua

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